domingo, 27 de janeiro de 2008

OUTRO CARNAVAL


No desfile do Gigantes da Lira no ano passado, me lembro que um assíduo folião desconhecido veio comentar comigo sobre a “velhinha da janela”. Nunca tinha ouvido falar dela, pois venho freqüentando o bloco há poucos anos, apenas depois que meus filhos nasceram. Conversando comigo como se eu freqüentasse desde criancinha, lamentava-se o folião desconhecido de que este ano ela não aparecera na janela, como acontecia sempre até então. Bastante comovido e preocupado, ele apontava para um prédio na descida da ladeira, e eu olhava como se o identificasse por pura simpatia a seus sentimentos.

Um ano se passou e voltei ao bloco sem me lembrar desse comentário perdido entre os confetes. Esse outro Carnaval começou despretensioso como todos os demais que passamos aqui no Rio. Olhei pela janela pra receber o aval de São Pedro, que me recomendou levar a capa de chuva da minha filha. Tirei as fantasias e os acessórios que repousaram doze meses no armário, enchi as garrafinhas esportivas de água, coloquei os chocalhos na mochila e botei meu bloco na rua.

Encontra um, encontra dois, encontra três, encontra quatro, e a concentração pessoal já está formada pra cair na folia. O bloco sai magicamente, sem confusão. Vamos o acompanhando pela calçada pra ganhar tempo e espaço, e ficar mais perto da banda. Bem na curva, bem na hora de entrar no bloco no ponto certo, cai uma chuva mais forte. Eu, minha filha e minha comadre vamos nos abrigar sob uma exígua marquise que, momescamente, abraça a todos os foliões avessos à chuva ou com crianças menores. Quando pára a chuva, o bloco já soa distante, mas bastou andar alguns metros para reencontrarmos seu coração musical e os amigos já dados como perdidos.

Metros à frente o bloco parou, aparentemente sem motivo. Aí reparei que todos se voltavam para uma janela aberta, de madeira azul, no segundo andar de um prédio pequeno e cinzento. Cantávamos “Carinhoso”, todos balançando os braços numa mega seresta para quem? A “velhinha da janela” estava lá, e imediatamente me lembrei com alívio do comentário do folião desconhecido do Carnaval que passou. Alguns tiravam fotos e muitos se emocionavam com aquela Rapunzel de cabelos grisalhos e curtos, que do alto de sua torre, agradecia comovida a homenagem do Gigante de 10 anos que, em seguida, cantou “Parabéns pra Você”, comemorando a data.

Sua aparição pareceu ser o ponto alto do desfile do bloco infantil. Feitas as devidas homenagens, o bloco volta a descer a ladeira, aparentando a curta memória carnavalesca, feita de momentos fugazes que, porém, são flashes inapagáveis. Acabada a festa, estamos prontos para outra, como se nada tivesse acontecido. Mas no ano que vem, estaremos todos aguardando a “velhinha da janela”, na descida da ladeira, para outro Carnaval...