sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Inverno Carioca

Vinha sendo um dia comum para mim. Meu filho não tinha nem um mês de nascido e, pela manhã, o tinha levado para o banhozinho de sol na orla, como de costume. Um sol meio pálido, porém contente, e uma temperatura amena, como convém ao inverno carioca.
Com meu primeiro filho, tão saudável, no colo; com casa, comida e roupa lavada pela minha empregada, tinha tudo e mais um pouco do que precisava. A vida corria bem, tranquila e feliz, e a televisão era mais uma utilidade doméstica, ali, onde sempre estava.
Logo depois do almoço tivemos a visita inesperada e sempre bem-vinda do padrinho dele que, também como de costume, chegou com seu jeito simpático e manso, e perguntou se eu não estava assistindo à televisão.
- Ah, então você não sabe... Liga aí pra você ver uma coisa.
Liguei e não entendia nada do que via. Um filme-catástrofe passando em mais de um canal na mesma hora? As imagens eram as mesmas, mudava só o tom de histeria dos âncoras. Desliguei quando um deles queria convencer os espectadores de que a imagem do Demo se formava na fumaça antes de se dissipar.
Confesso que até hoje me relaciono com o evento de mesma forma fria de alguém que assiste a matanças em filmes americanos. Neles as pessoas morrem como moscas, mas ninguém liga, porque sabemos que é de mentirinha. 
Nos dias subsequentes continuavam os episódios daquele mesmo seriado. Agora os protagonistas eram os bombeiros, e o suspense era criado pela esperança de que eles encontrassem sobreviventes entre os escombros.
Na sequência veio também o dó daquelas criaturas que tudo fizeram acreditando num paraíso com sei lá quantas mil virgens à sua espera. Quem no mundo ocidental se lembrava que havia muito mais gente se matando por aí por causa disso?
Há 14 anos atrás não havia internet como temos hoje, e até mesmo a televisão não tinha o mesmo alcance que tem agora. Nos locais preservados da informação imediata, a vida seguia, como seguia o sol pálido e a temperatura amena do inverno carioca. Mas sim, a vida nunca mais foi a mesma nos grandes centros, que se tornavam alvos mais ou menos visados, dependendo do grau de intimidade que seus governos tinham com o Tio Sam.
Quatorze anos depois vimos tendo uma nova série. Menos bombástica, menos badalada, menos assistida, menos comentada, talvez por ser uma produção mais, digamos, européia. Mas não menos perniciosa, como também não menos chocante. O mundo ocidental a vinha assistindo com um certo tédio e compaixão modorrenta, até que surgiu um protagonista mirim para estrelá-la de forma nefasta, aparecendo morto na praia trajando roupas de cores vivas. Foi aí que um sentimento, talvez atávico, nos uniu. Pelo menos durante os 5 minutos de fama que a linha do tempo do Facebook confere a seus eleitos, quando sentimentos profundos são despertados, até que você ria do próximo meme.
E a vida segue sob a chuva cálida que cai sobre os sem-teto no inverno carioca.

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