sábado, 29 de julho de 2017

TONS DO HIATO

Por vezes sinto o que uma amiga chamou de "hiato na vida".
É claro que não  tenho tantas atribulações como ela, mas também há muito que não acompanho o que vem passando no cinema. Pra falar a verdade, em lugar nenhum, só uma série ou outra de TV. De alguma forma parece que nos vimos fechadas no mundinho "casa e trabalho". O trabalho, através do qual nos realizamos, onde talvez tenhamos alguma válvula de escape, é nossa forma de comunicação com o restante do mundo. Mas a considero meio impessoal, talvez porque não seja ali que estão as pessoas mais queridas.
Dentre estas pessoas mais queridas estão certamente nossos filhos, que muitas das vezes não enxergam os pesos que carregamos, ainda que alguns venham caber também a eles, seja qual for seu tamanho, forma, ou origem. E isso dói, ter o que eu chamo de "trabalho invisível" e, por isso, nunca valorizado. E dói também não ter com quem compartilhar os bons momentos. Ser feliz sozinho é possível, sim, só que é uma sensação meio estranha.
Sendo filha única, logo me acostumei com tudo isso, ainda que não seja agradável. Também não me custou muito perceber que estamos invariavelmente sozinhos, desde o momento em que nascemos até a morte. Nunca ninguém vai saber exatamente como é  estar dentro de nós  mesmas. Não tem como.
E o que há nos "hiatos da vida"?: aquilo que costumamos de classificar com a frase "Mas isso não é vida!"; se não é vida, é o que? Não tenho a resposta pra essa pergunta, é claro. Mas não é a morte, propriamente dita.
Talvez esses "hiatos da vida", que parecem enormes vazios, virem uma obra de arte na visão de algum gênio criativo. Talvez virem apenas memórias doídas. Por serem tão sem graça, talvez tornem-se esquecimentos. Mas foram nossos processos, e talvez não tenhamos nos dado conta bem ainda de quanta saúde precisamos para ter passado por eles, nem das pessoas que nos tornamos através deles.
Somos, enfim, contínuos processos, obras abertas com seus altos e baixos, cores claras e escuras, em todos os tons, não só de cinza, se alternando o tempo todo. Ter essa oportunidade é que é lindo, mesmo que não pareça.

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